domingo, 3 de outubro de 2010

Das coisas incríveis que vi (parte 2)

Rob Hunter é técnico de som do Branford há muitos anos. Rob viu a evolução do quarteto. Se não me engano, começou a trabalhar com o grupo quando ele era formado por Jeff "Tain" Watts (bateria), Robert Hurst (baixo) e Kenny Kirkland (piano). Ele viu a primeira substituição, quando Eric Reeves entrou no lugar de Hurst pra não abandonar o posto até agora (ainda bem). Viu a substituição forçada por causa da trágica morte do Kirkland, que deu espaço pra entrada do Joe Calderazzo. E agora foi testemunha da troca do "Tain" pelo Justin Faulkner.
Se tem alguém (além do Branford) que conhece o grupo e o som que ele vem fazendo todos esses anos, esse alguém é o Rob.
Foi conversando com ele que eu percebi todo o assunto da energia do grupo, que vem junto com a música, não separada dela. Na verdade, foi ele quem disse as palavras. Eu só associei o que ele dizia ao que eu sentia.
E ele, por mais suspeito que seja porque faz parte do trabalho, disse que o que esse quarteto faz é único no mundo. Ou pelo menos ele nunca conheceu nada parecido. E, na verdade, seria ótimo conhecer. Um trabalho incrível como é o do BMQ deveria ser repetido muitas vezes (não no nível do repertório ou instrumentação ou mesmo estilo musical, mas no nível da qualidade e características em geral). Mas não se vê isso por aí.
Eu também sou suspeito pra dizer porque, afinal de contas, sou muito fã. Mas eu não conheço quem faça música de uma forma tão completa como esse grupo. É um grupo com nível técnico extremamente elevado, mas com uma sensibilidade ridícula de tão grande. Com uma força, uma energia tão fortes e arrebatadoras, mas com uma beleza tão impressionante. O grupo tem um entrosamento que parece que eles realmente pensam as mesmas coisas (de formas completamente diferentes). Um entrosamento que parece que eles tocam juntos há 50 anos quando, na verdade, não deve ter 2 anos inteiros com essa formação. Parece ser um grupo (independente das pessoas) que aceita e entrosa qualquer um que vier (desde que se encaixe no perfil técnico, sentimental, energético e musical). É um grupo que parece ter vida própria e força própria. Que parece falar sozinho. Que te dá uns tapas na cara, te tira da cadeira e que te faz relaxar aparentemente sem fazer nenhum esforço.
Eu não conheço outro trabalho que seja parecido. Adoraria conhecer... de verdade. Acho que eu seria muito mais feliz musicalmente se eu conhecesse um outro trabalho com as características da música que faz o BMQ.
Quando o quarteto está no palco, tocando, se divertindo, se comunicando, o tempo sempre parece menor do que deveria. Quando acaba, você tem certeza de que acabou de começar e de que é muito injusto já estar no fim. Se dependesse de você, eles ficariam ali tocando por horas e horas sem parar. E isso realmente parece possível quando você está assistindo o show. Porque parece que cada um dos quatro se alimenta da energia um dos outros, e da energia do público, e que essa energia não tem fim e aquilo poderia durar pra sempre.
Conversando com o Branford hoje, antes do show, eu me toquei de que obviamente não era o caso. Tudo aquilo que acontece no palco é maravilhoso (pro público e pros músicos). É revigorante enquanto está acontecendo. Mas é exaustivo. Quando ele disse que passou o dia na cama, descansando da noite de ontem, eu me toquei de que quando eu estou no palco, com minhas bandas (que são ótimas pra mim, mas não estão nem perto do que os quatro fazem em termos de dedicação de corpo e alma durante os shows) eu sinto essa realimentação de energia entre os da banda, e entre cada um de nós e a plateia. Eu termino os shows numa animação, numa adrenalina e numa energia que são raros em dias comuns. Mas quando o corpo e a cabeça relaxam, o cansaço que vem é normalmente maior do que o dos dias comuns também. E imaginei como não deveria ser essa sensação depois de se fazer um show como o que o BMQ faz.
Fiquei querendo perguntar pra ele por que ele faz aquilo, se fica tão cansado depois dos shows e com as viagens e os compromissos que não têm nada a ver com a diversão da música. Não perguntei porque achei a minha resposta pra essa pergunta. Aquele momento no palco, fazendo a música (que pode agradar ou não), trocando aquela energia... aquele momento é altamente viciante. E por mais que o depois seja exaustivo, que os compromissos extra-palco sejam sacrificantes e ruins, eles são muito necessários pra se ter aquele momento em cima do palco.

E foi vendo o grupo na noite de ontem e de hoje que eu percebi que muito provavelmente não vou chegar ao nível musical e sensorial deles. Não devo chegar nem perto. Mas tudo bem... isso não pode ser pra todo mundo porque se fosse, não teria nada de especial. Me contento em me esforçar pra fazer o meu melhor quando for a minha vez. Pra dar toda minha energia na troca e pra fazer a minha parte da criação da música. Vou chegar onde tiver que chegar com isso. Mas vou me divertir muito no caminho. E quanto a essa realização especial... vou me contentando (aliás, me contentando muito) em saber que de vez em quando eu vou poder fazer parte dela num palco mundo afora.

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