quinta-feira, 8 de julho de 2010

sem aviso

Que a morte é inevitável, todo mundo sabe. Mas já que inevitável, pelo menos podia não vir de surpresa.
Sei lá... a morte devia dar algum aviso, qualquer coisa. Uns dias, uma semana, algum tempo. Pra pelo menos preparar as pessoas próximas pro que vai acontecer. Um tempo pra um filho imaginar como vai ser viver sem seu pai. Um tempo pra uma mulher tentar se enxergar viúva. Um tempo pra um irmão se preparar pra perder uma companhia. Um tempo pra um amigo relembrar os bons momentos. Ou pelo menos um tempo pras pessoas se cercarem de familiares, amigos e gente próxima e querida, pra dividirem aquele momento.
A morte não devia chegar do nada, de uma hora pra outra. Não devia se revelar num telefonema internacional no meio da noite, com poucas palavras porque não há muito o que dizer nessas horas. Não devia aparecer num chamado amigo, na porta de casa, com aquele olhar de quem não sabe o que falar ou como falar o que aconteceu. Não devia desfazer planos sem aviso prévio, estragar surpresas, férias, atrapalhar trabalhos. Ela já é triste demais pra ser também arrebatadora.
A morte devia se apresentar, como manda a etiqueta. Se familiarizar com as pessoas com quem vai conviver nos próximos tempos. Tentar, de alguma forma, ser o menos destrutiva possível visto que já vai ser terrível. Se esforçar pra ajudar os que vão ficar por aqui, e sem.
Que a morte é inevitável, todo mundo sabe. Mas já que inevitável, pelo menos podia não vir de surpresa.
Mas quando ela vem assim, o que nos resta fazer é tentar confortar os que ficam da melhor forma possível, mesmo quando a notícia dela vem tão arrebatadora, repentina e de surpresa pra quem está pouco envolvido com quem se vai.
Sergio, vamos fazer um banquete em sua homenagem. Ouvir muito jazz e assistir muitos filmes.
Toda força do mundo ao meu amigo Antonio Tolipan, que perdeu seu pai essa noite. Estamos aqui pra o que for preciso por quanto tempo for preciso.

2 comentários:

marinaesanta disse...

O que dizer, quando você já disse tudo, e tão lindamente? é endossar e estar a postos, ao lado do Antonio...

nonsense disse...

Eis que de quando em quando, volto...Dani, seu post é lindo, mas infelizmente nenhuma das alternativas, ainda que fossem possíveis, seria viável. No fim das contas se vê que tudo acontece dentro da mais perfeita ordem.
Todas as suposições (que eu, mais que muita gente - e sabes bem disso) já inventou, viraram fumaça ao ler Intermitências da Morte, de Saramago.
Pra resumir a história, embora Saramago, de tão genial, não mereça resumos.
Passa-se num país como tantos outros onde as pessoas querem ser imortais. A morte, ofendida, resolve fazer uma greve e escreve uma carta aos principais jornais. Instala-se o caos, já que as pessoas continuam a envelhecer, a ficar doentes, a isso e aquilo que está inexoravelmente ligado as condições da carcaça humana...os hospitais ficam lotados de moribundos, o sistema enlouquece. Até que as pessoas começam a implorar pela hora da morte e a traficar seus amigos "mais pra lá que pra cá" aos países vizinhos, onde a morte ainda cumpre seu trabalho regularmente. Logo surgem problemas de comércio internacional e por aí vai...
Até que a morte resolve dar uma trégua e anuncia sua volta, dia tal, hora tal, levando todos os que já deviam ter ido e os que estavam previstos para tal data...
Surgem protestos do comércio e dos fabricantes de ataúdes, caixões, coveiros, cemitério e todo negócio que lucra com a morte...
A morte então resolve avisar com antecedência de 8 dias, através de uma carta roxa...mesmo aqueles que consideraram uma vez sequer esta possibilidade como justa,desesperam-se e nada fazem do que haviam imaginado. Nem testamentos, nem quitação de dívidas e nem aproveitamento da companhia dos seus caros. Ao contrário, a maioria dá a fazer coisas impensáveis até então, mete-se em orgias na tentativa de esquecer o que não se pode e mesmo aqueles que tentam enganar a morte comentendo suicídio, acabam por fazê-lo no dia anunciado pela morte - o que é irônico já que não são eles a enganar a morte, e sim a morte a confundi-los e, ao tentar não fazer aquilo que estava previsto, simplesmente cumprem o "previsto"...
Enfim a história é boa e desenrola tomando todas as formas e possibilidades que passam na cabeça dos mortais...e mais não falo pq é longo e já cheguei ao capítulo que me interessava contar, o dos avisos...